Antes de atacar uma mulher em Espanha, Fábio J. avisou um cúmplice que ia fazer um ato “em nome de Alá”. Sem abrigo na Quinta do Conde, foi preso pela PJ que descobriu que recebia um subsídio por invalidez. Opôs-se à extradição para Espanha e aguarda a decisão do Tribunal.
O caso ou despercebido em Portugal. A 4 de outubro do ano ado, Fábio J., um português de 32 anos, que vivia na rua em Huelva terá agarrado numa chave de fendas e tentado matar uma mulher enquanto gritava “Allahu Akbar” - Alá é grande. Na ocasião acabou por ser detido pelas autoridades espanholas que, apesar de suspeitarem que poderia estar ligado a alguns círculos radicais, acabaram por libertá-lo, ficando a aguardar o desenrolar do processo.
Todavia, os resultados da análise forense ao telemóvel de Fábio J. permitiram aos investigadores concluir que não só o português tinha premeditado o ato como o conteúdo das suas pesquisas online o enquadravam como suspeito de “infrações terroristas”.
De acordo com várias fontes consultadas pelo Nascer do SOL, foi então que a Guardia Civil enviou à Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária a informação sobre Fábio J. que deu origem à abertura de um processo contra o português que correu termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal.
Os investigadores começaram então a reconstituir o seu percurso. Descobriram que após ser libertado de Huelva tinha atravessado a fronteira de Ferry Boat para Vila Real de Santo António a 18 de outubro. No dia seguinte, em Faro, destruiu a montra de um restaurante apenas porque o proprietário olhou para ele de forma “desconfiada”. O processo acabaria arquivado porque o dono do estabelecimento não apresentou queixa.
Não foi o seu primeiro problema com a lei. De acordo com as informações recolhidas pelo Nascer do SOL, em 2012 tinha sido condenado por injurias e resistência a um polícia no Reino Unido, país onde se terá convertido ao Islão e iniciado um processo de radicalização. Dois anos depois foi condenado novamente por infrações contra o Estado e em 2015 seria condenado a dois anos de prisão por tráfico de droga e expulso do Reino Unido em 2016. Em Portugal viria a ser suspeito em processos de homicídio, roubo, agem de moeda falsa e consumo de droga. Mas nunca foi condenado.
Ao mesmo tempo que tentava traçar o seu perfil, a Polícia Judiciária (PJ) começou também a fazer vigilâncias discretas a Fábio J. Descobriram que vivia como sem abrigo na Quinta do Conde, zona onde costumava deambular e mendigar à porta de supermercados. Isto apesar de receber um subsídio de Proteção Social para a Inclusão no valor de 900 euros, graças a uma incapacidade de 80%., através de um cheque enviado mensalmente para casa de um familiar.
A Prestação Social para a Inclusão é um subsídio do Estado destinado a cidadãos nacionais e estrangeiros, refugiados e apátridas que tenham uma deficiência da qual resulte um grau de incapacidade igual ou superior a 60%. A prestação é composta por três componentes: a base, destinada a compensar os encargos gerais acrescidos que resultam da deficiência; o complemento, que tem por objetivo combater a pobreza das pessoas com deficiência; e a majoração que visa compensar encargos específicos.
Identificaram também o seu perfil nas redes sociais onde descobriram publicações da bandeira negra da jihad, usada por grupos fundamentalistas como a Al Qaeda e que inclui, sob o fundo negro, a Shahadah, a declaração fundamental da fé islâmica: «Não há outro Deus senão Deus, e Maomé é o seu mensageiro». «Entretanto apagou outras publicações, tal como fez com as redes sociais em Espanha», explica ao Nascer do SOL fonte da investigação.
Após o episódio em Faro, Fábio J. acabou por ser detido na Quinta do Conde por ofender um militar da Guarda Nacional Republicana. O tribunal decretou-lhe a medida cautelar de apresentações periódicas que deixou de cumprir desde final de novembro. Mas essa detenção permitiu à GNR perceber que estava perante alguém com problemas psicológicos. Foi pedida uma avaliação mas Fábio J. acabou por concordar em iniciar um tratamento que já lhe tinha sido prescrito no Hospital Garcia de Hora. Todavia, tal como as apresentações periódicas, não compareceu às consultas.
No final do ano ameaçou um vigilante do centro comercial Vasco da Gama, em Lisboa, que o abordou por estar a incomodar clientes da zona da restauração com gritos de «vou-te matar» e «vais apanhar». Já em 2025, em Almada, partiu uma garrafa de vidro e correu atrás de uma mulher, num ato que testemunhas descreveram como aleatório.
Apesar de estar sob vigilância, todos os atos em que se viu envolvido em Portugal não tinham qualquer componente ideológica, pelo que não foi possível à PJ avançar para a sua detenção ao abrigo do processo que corria no DCIAP, centrado no terrorismo. Todavia, com o crescendo de atos de violência, o receio de inspetores e magistrados era que Fábio J. se tornasse incontrolável – e não era possível vigiá-lo 24h por dia.
As autoridades portuguesas pediram então a colaboração da Guardia Civil que acabou por informar que desde 2021 que Fábio J. fazia pesquisas na internet relacionadas com grupos terroristas. O histórico do seu telemóvel mostrava que tinha investigado o que era a Al Qaeda e o Estado Islâmico. Consumia continuadamente propaganda jihadista e chegou a manifestar a sua intenção de se deslocar a zonas de conflito para se juntar a essas organizações. Mais: manteria os com alguém no Reino Unido a quem terá dito que “iria fazer algo em nome de Alá” antes do ataque em Huelva. Para as autoridades espanholas não havia dúvida: Fábio J. estava em processo de radicalização acentuado.
A 5 de junho, as autoridades espanholas enviaram para Portugal uma Decisão Europeia de Investigação, ao abrigo de um processo que corre termos no Tribunal Central de Instrução nº5 da Audiência Nacional de Madrid, a pedir a detenção de Fábio J. Nesse inquérito, o português está indiciado pelos crimes de “integração ou colaboração com organização terrorista” e “doutrinação ou exaltação de caráter terrorista”, crimes punidos com uma pena entre os 10 e os 15 anos de prisão.
Levado no dia seguinte à presença de um juiz desembargador no Tribunal da Relação de Évora, Fábio J., representado pelo advogado Francisco Sousa, que não quis prestar qualquer esclarecimento sobre o caso ao Nascer do SOL, opôs-se à extradição e também não abdicou do princípio da especialidade, o preceito legal que impede que venha a ser acusado por crimes diferentes daqueles mencionados no MDE.
Ao que o Nascer do SOL apurou, o Tribunal da Relação de Évora deu ao advogado Francisco Sousa um prazo de 10 dias para apresentar a oposição à extradição. Só depois será tomada uma decisão. Até lá, Fábio J. aguarda o desenrolar do processo em prisão preventiva.