Há décadas que o Sultanato de Omã exerce a mediação entre partes beligerantes no Médio Oriente ou entre países separados por crises políticas profundas. Mascate parece ser um marco na mediação a nível mundial e regional.
Não é de surpreender que Omã seja o anfitrião da ronda de conversações entre os Estados Unidos e o Irão. No momento em que a tensão entre as duas partes sobre a questão nuclear iraniana segue o seu curso natural, Mascate esforça-se, uma vez mais, por assegurar as condições de uma mediação destinada a desanuviar a deterioração das crises em direção à guerra, o que tem conseguido repetidamente.
Mas esta ronda é uma das mais difíceis da história das relações historicamente tensas entre Washington e Teerão. Quer a conversa entre o chefe da delegação iraniana, o ministro dos Negócios Estrangeiros Abbas Araqchi, e o enviado especial dos EUA para o Médio Oriente, Steven Heitkopf, chefe da delegação norte-americana, seja direta ou indireta, o que é certo é que Omã está a garantir um encontro que atéhá pouco tempo era impossíveldevido à grande escalada que se desenvolveu entre os EUA e o Irão desde que Donald Trump tomou posse para o seu segundo mandato na Casa Branca.
Esta não é a primeira vez que Omã acolhe negociações entre os EUA e o Irão. Mascate foi a primeira paragem para as negociações entre as duas partes, que prepararam o caminho para as negociações internacionais mais amplas (P5+1 com o Irão) que conduziram ao Plano de Ação Conjunto Global, vulgarmente conhecido como o acordo nuclear com o Irão, em 2015.
A história da mediação começa com a neutralidade
Quando se analisa a história da mediação na região, Omã surge como o mediador mais proeminente. Este padrão de diplomacia ativa e não hostil não parece ser apenas um papel ou um comportamento ditado pelas circunstâncias geopolíticas do Sultanato, uma vez que este se situa numa região caracterizada por tensões persistentes, bem como pela sua localização geográfica que influencia o curso do comércio global, particularmente no Estreito de Ormuz e no Mar de Omã.
A maior parte dos especialistas no dossier omanense concorda que a mediação, ou a garantia das razões do seu sucesso, está ligada à identidade política do Sultanato, quer no plano regional, quer no plano internacional.
Voltando à história da mediação omanense, verificamos que o primeiro fator deste papel foi a adoção de uma política clara de neutralidade. Uma das manifestações mais proeminentes foi a neutralidade de Omã na Guerra Irão-Iraque (1980-1988), apesar de o clima do Golfo ser claramente de apoio a Bagdade. No entanto, Mascate manteve as suas relações com Teerão sem afetar a sua comunicação com as capitais vizinhas do Golfo.
Também liderou conversações secretas entre o Irão e o Iraque para pôr fim à guerra sangrenta entre ambos.
Omã e a Tempestade Decisiva
Apesar da agem de muitos anos, o Sultanato manteve-se empenhado no papel de mediador de acordos e, se tal não fosse possível, em acordos temporários para atenuar as crises. A história repetiu-se com a neutralidade de Omã quando a Operação Tempestade Decisiva foi lançada contra o movimento Ansar Allah no Iémen (Houthis), liderada pela Arábia Saudita e envolvendo países do Golfo e árabes, sem a participação de Omã, que se tornou um centro de mediação e de negociações para pôr fim a uma guerra que durou mais de cinco anos.
Na altura, Mascate explicou a sua posição, segundo a qual o papel de mediador perde o sentido se a parte mediadora fizer parte da guerra. "Omã é um país de paz e não podemos fazer esforços de paz quando fazemos parte de uma campanha militar", disse o Ministro dos Negócios Estrangeiros Yusuf bin Alawi.
Omã e o boicote do Golfo
Em 2017, Omã também exerceu neutralidade na crise do Golfo entre a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, por um lado, e o Qatar, por outro. Embora não tenha desempenhado o papel de mediador direto, as suas posições e políticas apoiaram grandemente os esforços de mediação do Kuwait para pôr fim à crise que fracturou a casa do Golfo e quase levou à desintegração do sistema do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG).
O fator geográfico
A localização estratégica de Omã é um elemento-chave na orientação das suas políticas de mediação. Encontra-se nas margens de três grandes e importantes mares, nomeadamente: O Mar Arábico, o Mar de Omã e o Golfo. A sua costa estende-se ao longo de 3.000 quilómetros do Estreito de Ormuz, que partilha com o Irão e que é um dos mais importantes corredores de trânsito para o transporte de energia no mundo. Assim, a localização do Sultanato pode ser classificada como um dos pontos estratégicos mais importantes da região do Golfo e do Médio Oriente em geral.
Durante o seu mandato como Ministro dos Negócios Estrangeiros, o antigo Ministro Yusuf bin Alawi explicou numa entrevista televisiva que Omã não toma partido, "mas tentamos transmitir a ambas as partes o que pensamos ser bom para elas".
A dinâmica da diplomacia omanense Mediações e sucessos
As novas negociações entre os EUA e o Irão deveriam constituir um novo ponto de partida para a diplomacia omanense. Omã costuma trocar mensagens entre partes em conflito ou num ime. Nesta nova fase das negociações entre os EUA e o Irão, Teerão escolheu Mascate para enviar a sua resposta à carta do Presidente dos EUA, Donald Trump. O contexto histórico das mediações de Omã na região indica que o sultanato goza de grande confiança tanto do lado americano como do iraniano.
Omã contribuiu várias vezes para a normalização das relações entre a Arábia Saudita e o Irão. Uma dessas vezes foi em 1991, quando Mascate conseguiu restabelecer a ligação entre Riade e Teerão. A segunda vez, e talvez a mais importante, foi o papel indireto que Omã e o Iraque desempenharam para facilitar o restabelecimento das relaçõesentre a Arábia Saudita e o Irão, sob os auspícios da China, em março de 2023.
Após essa mediação, Omã deu seguimento ao trabalho de restabelecimento das relações entre o Irão e o Barém, tendo também contribuído para o restabelecimento das comunicações entre o Irão e o Egito, depois de terem estado cortadas durante vários anos. Mascate não poupou uma oportunidade para patrocinar acordos de troca de prisioneiros ou detidos entre países, incluindo entre o Irão e a Bélgica uma vez e entre o Irão e os Estados Unidos, e Omã patrocinou a libertação de reféns do navio Galaxy Leader detidos pelos Houthis em novembro de 2023.
50 anos de políticas de mediação fizeram de Omã um ponto focal para a diplomacia construtiva na região, de acordo com muitos especialistas em relações internacionais.
É com esta mentalidade que Omã trabalha hoje para que as negociações irano-americanas decorram num clima de calma e longe dos meios de comunicação social.
Será que a nova mediação abrirá a porta a um acordo histórico entre Washington e Teerão, que desativará uma potencial grande guerra, ou será que as recentes complicações e elementos de confusão são mais fortes do que as mediações?