Num laboratório da Universidade Técnica da Dinamarca, os investigadores estão a explorar o potencial dos fungos enquanto substitutos da carne e do marisco.
Perante a escassez global de alimentos, os cientistas estão a tentar transformar os alimentos alternativos em opções não só sustentáveis, mas também saborosas e apelativas.
Como parte desta missão, investigadores da Universidade Técnica da Dinamarca estudaram recentemente o potencial culinário do micélio.
"O micélio é comparável à estrutura da raiz das plantas, embora os fungos não sejam, de facto, plantas", explicou à Euronews Next Loes van Dam, investigadora da Universidade Técnica da Dinamarca.
A equipa utilizou o Pleurotus ostreatus, vulgarmente conhecido como cogumelo ostra, nas suas experiências. Embora os cogumelos deste fungo sejam bastante consumidos em todo o mundo, as qualidades culinárias da estrutura da sua raiz têm sido largamente inexploradas, dizem os investigadores.
O micélio pode crescer em diferentes substratos - superfícies orgânicas como o solo, por exemplo - o que afeta o seu sabor.
"Por isso, é possível manipulá-lo um pouco. O que notámos especificamente, na nossa investigação sobre o micélio do cogumelo ostra, é que, quando utilizamos diferentes substratos, também obtemos perfis de sabor e textura muito diferentes", indicou van Dam.
Segundo os investigadores, o cogumelo pode mesmo crescer rapidamente em resíduos, como borras de café e madeira, o que demonstra o seu potencial como alternativa proteica sustentável.
Isto pode criar um sistema alimentar mais circular, afirmam.
Para perceber o que torna esta estirpe única em comparação com outras, os investigadores utilizaram um método chamado sequenciação do genoma, que lhes permitiu examinar o "manual de instruções" do fungo ou a forma como cresce, metaboliza os nutrientes e produz sabor e textura.
"Uma das experiências que fizemos foi analisar os dados genómicos da nossa estirpe. Utilizamos o ADN para descodificar os nossos fungos", revelou van Dam.
"Por isso, se forem realmente semelhantes, podemos assumir que podemos consumir todos estes fungos em segurança."
A equipa de investigação descobriu que o micélio do cogumelo ostra era rico em proteínas e continha micronutrientes essenciais, como a vitamina B5 e a provitamina D2, enquanto os níveis de toxinas no micélio eram significativamente mais baixos do que nos corpos de frutificação, que já são considerados seguros para consumo.
O micélio também cresceu mais rapidamente do que os cogumelos, tornando-o assim adequado para a produção em escala industrial.
Num inquérito realizado em laboratório, um não treinado de 72 pessoas reagiu positivamente ao prato de micélio cultivado num caldo comestível, dizendo que tinha um sabor a umami ou a carne cozinhada.
Algumas reações negativas destacaram o facto de ser amargo, bolorento e semelhante a amendoim.
Potencial culinário testado na alta gastronomia
A equipa de investigação também estabeleceu uma parceria com um restaurante de duas estrelas Michelin em Copenhaga, chamado Alchemist, para estudar a reação dos consumidores.
"A alimentação vai muito para além da investigação académica, pelo que era vital que - para além de estabelecermos que este novo produto é seguro e nutritivo - pudéssemos trabalhar com chefs de cozinha para demonstrar que poderia inserir-se numa experiência gastronómica agradável", referiu a investigadora, em comunicado de imprensa.
Os chefes do Alchemist desenvolveram um prato utilizando o micélio, combinando-o com um molho de espuma feito de cogumelos e pontos de vinagre balsâmico de maçã engrossado. Segundo consta, os clientes gostaram do prato.
A produção consistente e em escala foi o maior desafio para a equipa de investigação, uma vez que o restaurante precisava de cerca de 60 placas de Petri de micélio por dose.
"Como se trata de biologia, nem todos crescem de forma uniforme. Por isso, tinham requisitos específicos quanto ao seu aspeto. Por isso, tivemos de produzir uma grande quantidade para fazer pratos suficientes para toda a gente comer e saborear", referiu ainda van Dam.
Dentro do laboratório
Num laboratório da Universidade Técnica da Dinamarca, os investigadores continuam a explorar o potencial dos fungos para serem utilizados como substitutos da carne e do marisco.
A textura, a nutrição e a segurança são áreas-chave de interesse para a equipa do laboratório, que trabalha na produção de alternativas alimentares com fungos.
"Queríamos, claro, ter a certeza de que é realmente seguro comer. Mas, para além disso, queríamos que fosse muito delicioso porque, caso contrário, quem é que iria comê-lo?", questionou van Dam.
Ao cultivar e testar micélios de várias espécies de cogumelos, os investigadores pretendem identificar as estirpes com a melhor combinação de textura, sabor e valor nutricional.
Estão também a trabalhar para mostrar como os micélios podem ser servidos aos consumidores numa cantina da universidade, por exemplo, através de um prato de teste de conceito feito à base de fungos, servido numa concha de ostra com espuma e molho.
Os investigadores estão a utilizar tecnologias como um analisador de textura, que comprime a amostra e mede a sua resistência.
"Estamos a imitar o movimento de mastigação da boca para medir a textura de uma amostra específica", informou ainda a investigadora citada.
A máquina gera linhas ondulantes num ecrã que representam a resistência e a elasticidade dos fungos, atributos fundamentais na conceção de produtos alimentares que reproduzam a experiência de comer carne ou marisco.
A equipa de investigação deste laboratório está a trabalhar para criar um produto "inteiro" com a textura do marisco, utilizando os fungos.
A Comissão Europeia concedeu já 252 milhões de euros para a investigação de proteínas alternativas desde 2020, de acordo com um relatório do Good Food Institute Europe, uma organização sem fins lucrativos que ajudou a financiar o projeto.
A Dinamarca, o Reino Unido, a Finlândia e os Países Baixos estão a liderar a criação destes alimentos à base de plantas, carne cultivada e alimentos produzidos por via da fermentação, segundo o relatório.
A Dinamarca destaca-se com o maior número de cientistas per capita a trabalhar neste domínio, o maior número de artigos de investigação publicados per capita e detendo três das principais instituições europeias de investigação de proteínas alternativas - incluindo a Universidade Técnica da Dinamarca.